Em 13/11/2023 por Fernando Santos
Nos vastos e ressonantes espaços da música clássica contemporânea, existem vozes que transcendem fronteiras e repertórios, levando-nos através de viagens sonoras inesquecíveis. Uma dessas vozes pertence a Inês Simões, uma soprano portuguesa cujo timbre inconfundível, rico e luminoso, vem deixando sua marca indelével na cena musical.
Durante uma entrevista exclusiva com a ProART, eu, Fernando Santos (FS), tive o privilégio de conversar com Inês sobre a sua trajetória excecional, que inclui 27 estreias mundiais, abrangendo desde a ópera até à música sinfónica e de câmara, com um especial ênfase na música contemporânea. A sua evolução artística leva-nos a aprofundar-se no domínio das grandes obras germânicas, encontrando nos papéis como Salomé de Strauss e nos Wesendonck Lieder de Wagner uma vasta paleta para expressar a sua música.
Inês Simões brindou-nos recentemente com interpretações memoráveis, como a sua estreia no Barbican Hall com a Suíte Wozzeck de Berg e a sua apaixonada interpretação de Das Buch der hängenden Gärten de Schoenberg. Estas atuações são mais uma prova do seu amor pela música da primeira metade do século XX, um período que continua a explorar com fervor e dedicação.
Na temporada 2024, Inês regressa ao Teatro Nacional de São Carlos para dar vida à Perpétua na opereta "Maria da Fonte" de Augusto Machado, marcando assim a primeira audição moderna desta obra. Também fará a sua estreia no festival Cistermúsica e ampliará o seu repertório com os Rückert Lieder de Mahler, consolidando ainda mais o seu lugar no panteão das grandes sopranos portuguesas.
A sua colaboração com o flautista brasileiro James Strauss e o lançamento de "Poema" para a Universal Music Group são testemunhos da sua versatilidade e habilidade em destacar-se em formações invulgares. E não é por menos, já que a sua estreia na Fundação Calouste Gulbenkian com a Orquestra Gulbenkian, sob a batuta de Magnus Lindberg, foi um verdadeiro tour-de-force, apresentando seis novas obras num único concerto.
Inês Simões continua a sua estreita colaboração com a Miso Music, que lhe encomendou novas peças especialmente dedicadas à sua voz. Cantou com orquestras de renome como a Camerata Royal Concertgebouw Orchestra e participou em eventos prestigiosos como o Festival Dias da Música, o Festival Oxford Lieder e o programa de rádio In Tune da BBC Radio 3.
Além da sua carreira a solo, Inês é uma parte integrante do Duo Tágide, com o qual explora um repertório que abrange desde o passado até ao presente, incluindo um espaço dedicado à canção portuguesa. Revela-nos como este duo dinâmico se prepara para lançar um novo disco em 2024, com o apoio da Fundação GDA, dedicado a ciclos de canções de compositores portugueses do século XXI.
A Universal Music Group Brasil destaca a sua arte:
"Sua fluência e uniformidade, sua produção livre de tom perfeitamente estável, são admiráveis e não muito comuns no mundo de hoje."
Nas linhas que se seguem da nossa entrevista, Inês Simões partilha connosco não só os detalhes da sua carreira e dos seus projetos emocionantes mas também a sua perspetiva única sobre a música e a vida de uma artista no palco mundial contemporâneo.
Entrevista com Inês Simões, por Fernando Santos (FS):
FS: Olá, Inês! É um prazer tê-la aqui para esta entrevista. Quero começar por saber um pouco mais sobre como tudo começou. Como e com que idade descobriu a sua paixão pela música.
Inês Simões: Olá, o prazer todo meu! A minha paixão pela arte despertou muito cedo: comecei a estudar música aos quatro anos e passou logo a fazer parte do meu quotidiano. Mas foi só aos 13 anos que realmente me apaixonei pela arte. Em 1997, tive a oportunidade de participar no coro infantil para uma produção da Perséfone no Teatro Nacional de São Carlos. Esse momento foi extremamente marcante para mim. A combinação de texto falado, dança e a música de Stravinsky acenderam uma verdadeira faísca em mim. Desde então, não consigo senão adorar a música da primeira metade do século XX.
FS: E quais foram as principais referências familiares ou ídolos que a inspiraram ao longo da sua carreira?
Inês Simões: Ambas as minhas avós foram grandes fontes de inspiração para mim - exemplos de mulheres lutadoras, empreendedoras e de grande coragem. A minha avó materna, em particular, tinha uma ligação especial ao canto - adorava cantar fado canção e era uma grande contadora de histórias. Ao que parece, quando era criança, queriam levá-la para a rádio mas a mãe dela não permitiu: “a Rádio tinha muito má fama!!…”. Ela dizia sempre que qualquer talento que eu tivesse que vinha dela!
FS: E quais considera sendo seus maiores desafios que enfrentou na sua carreira artística?
Inês Simões: Penso que o meu maior desafio foi encontrar o repertório ideal para mim. Foi necessário esperar que o meu desenvolvimento técnico se alinhasse com a minha sensibilidade artística - fazer as pazes com essa espera foi um processo desafiador. Decidi dedicar-me à música contemporânea e à criação, que adoro e que farão sempre parte do meu percurso, enquanto o grande repertório se desenvolvia em mim, na minha prática diária e intimidade. Lidar com essa espera pode ser complicado, mas a perseverança tem dado os seus frutos e agora consigo cantar as obras que melhor expressam a minha visão artística.
FS: E quanto a sua primeira grande conquista ou reconhecimento no mundo artístico?
Inês Simões: A minha primeira grande conquista foi, sem dúvida, ter sido aceite no mestrado de canto na Guildhall School of Music and Dance, em Londres. Foi uma experiência incrível. Logo após dois meses de ingressar no programa, fui convidada para cantar a Suite Wozzeck de Berg no Barbican Hall. Foi como um selo de aprovação, um reconhecimento de que eu tinha algo único a oferecer como artista. Eu concordei - e ainda concordo!
FS: Há alguma performance, obra ou projeto de que se sinta particularmente orgulhosa?
Inês Simões: Desenvolvo um trabalho contínuo há quase duas décadas com o pianista Daniel Godinho. Juntos, formamos o Duo Tágide, e tentamos criar concertos que combinem sempre canção portuguesa, canção contemporânea e canção romântica (Lied, Mélodie). Recentemente, tivemos a oportunidade de interpretar pela primeira vez o Livro dos Jardins Suspensos Op. 15 de Schoenberg, uma obra que ambos admiramos imensamente. Conseguimos também gravar esse concerto e estamos particularmente orgulhosos do que conseguimos transmitir, especialmente por ser a nossa primeira abordagem desse ciclo magistral. Esta missão de dar a conhecer a canção portuguesa e a canção contemporânea a um público abrangente é, a meu ver, a única forma de darmos continuidade a um subgénero da música clássica que, de outra forma, se poderá extinguir. Já não há assim tantos recitais de Lied, isto a nível mundial, temos de ser nós a fomentar a criação - sem futuro não há passado!
FS: Quais são os seus hobbies ou atividades de lazer? Inês Simões: Hobbies… não sei se posso chamar de hobbies porque não são coisas que eu faça diariamente. Mas, nos últimos tempos, sinto uma necessidade imensa de estar em contacto com a natureza. É-me vital fazer caminhadas ou simplesmente sentar-me num parque a ler um livro. Também gosto muito de cozinhar e experimentar novas receitas, mas sinceramente quando tenho tempo, que é coisa rara quando se tem filhos, quero é ir ver espetáculos! E, claro, estar com a minha família e amigos - esses momentos de convívio - é algo que valorizo imensamente, sobretudo desde que me mudei para Berlim.
FS: E há alguma curiosidade ou facto interessante sobre si que gostaria de partilhar?
Inês Simões: Gosto de fazer tudo com muita calma e, por favor, não me apressem de manhã! É por isso que vou ao ginásio, faço yoga em casa ou nado manhã antes dos ensaios, para não contagiar ninguém com o meu mau humor matinal!
FS: Por fim, gostaria de saber quais são os seus planos futuros e próximos desafios na sua carreira artística.
Inês Simões: 2024 vai ser um ano bastante preenchido, com duas produções em tournée: a opereta “Maria da Fonte” de Augusto Machado e “It’s not over until the soprano dies” onde canto excertos de algumas das personagens que mais gosto como a Marie do Wozzeck, Senta do Navio Fantasma e Salome de Strauss - adoro este repertório! E ainda concertos comemorativos das efemérides de Fauré e Schoenberg e uma gravação com o Duo Tágide do álbum “Canções para o século XXI” que celebra ciclos para canto e piano de compositores portugueses. Desafios? O mesmo de sempre! Logística da vida pessoal e artística, viver dentro deste repertório de peso mantendo a saúde vocal, física e mental e, acima de tudo, evoluir em capacidades técnicas e expressão artística. Fazer boa música. Ser profissional. Procurar inspiração pelo trabalho constante. Continuar!
Quer saber mais? Veja e ouça abaixo uma breve apresentação desta jovem soprano.
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