ProART Entrevista: Pedro Ribeiro – a arte sublime de criar sonhos em palco

Por Joana Patacas*, em 15 de março de 2024

Nos labirintos criativos do teatro e da ópera, emergem figuras cuja visão redefine o espetro das possibilidades artísticas e molda o futuro das artes performativas. O encenador e designer Pedro Ribeiro é um desses visionários, cuja multifacetada jornada artística revela um talento raro capaz de entrelaçar diferentes formas de arte e de criar experiências que transcendem o convencional e cativam tanto o público quanto a crítica. 

"(...) encenação deslumbrante de Pedro Ribeiro (...) esgotando duas sessões do Coliseu do Porto meses antes da estreia, (...) o resultado surpreendente foram três ovações de pé que agitaram o norte de Portugal. (...) Os críticos concordam que este espetáculo provou a capacidade de Portugal para realizar grandes produções.” in Broadwayworld.com, 2019 (sobre a produção « The Phantom of the Opera»). 

Ao longo da sua formação e carreira, tem demonstrado uma versatilidade e um compromisso excecionais com a sua vocação. Este empenho, aliado à sua dedicação inabalável e ao seu perfeccionismo meticuloso, são características que definem a sua genialidade criativa e a sua capacidade de executar visões artísticas com uma precisão ímpar. A paixão e o rigor com que aborda cada projeto tornam a sua obra inconfundível, à qual ninguém fica indiferente. 

"(...) esta noite foi de fazer crescer água na boca (...) fãs de óperas obscuras vieram para El gato con botas de Montsalvatge (...) A produção um pouco surrealista de Pedro Ribeiro e a iluminação de Warren Letton transmitem uma visão crepuscular de um conto de fadas. (...) El Gato con Botas tem de ser visto para ser totalmente apreciado. A verdade é que quase não parei de sorrir durante todo o espetáculo." in Seen & Heard International, 2013 (sobre a produção « El Gato Con Botas »).

"O design lúdico é da autoria de Pedro Ribeiro, que também dirige, e adequa-se a uma noite que é, em parte, uma experiência ousada de escala - a ópera dura pouco mais de uma hora, mas parece épica." in The Guardian, 2018 (sobre a produção «Goldilocks and the Three Little Pigs»)

Nesta entrevista exclusiva à ProART, conduzida por Joana Patacas (JP), desvendamos os contornos da personalidade fascinante de Pedro Ribeiro, explorando não só os momentos marcantes da sua carreira, mas também as suas reflexões sobre o estado atual das artes em Portugal e as suas aspirações para o futuro.


JP: Como é que descobriu a sua paixão pela arte?

Pedro: A minha paixão pela arte foi incutida pela minha mãe. Foi ela que me educou para as artes - teatro, música, artes plásticas. A partir dos 5 anos inscreveu-me em aulas práticas, tanto dentro como fora do ensino regular. Ela sempre me disse que eu tinha de aprender a fazer de tudo e isso incluía saber fazer uma bainha ou ouvir música clássica. 

JP: Quais foram as suas principais referências familiares ou ídolos que o inspiraram?

Pedro: Eu não posso dizer que tive “ídolos” que me inspiraram. Terão sido os meus pais que me “injectaram” o amor pelas artes, mesmo não trabalhando em áreas artísticas ou sequer relacionadas. 

JP: Fale-nos sobre a sua formação. 

Pedro: É engraçado refletir sobre isso e perceber como fui sendo submerso em quase todas as áreas artísticas. Desde muito cedo, tanto no infantário como no 1º ciclo fazíamos peças de teatro constantemente. Nessa altura, a minha mãe inscreveu-me em aulas de piano. A seguir, entrei no Curso de Harpa do Conservatório de Música do Porto. No 2º e 3º ciclos fiz de forma extracurricular o projeto “Da prática à vivência teatral” com a Companhia de Teatro Pé de Vento. No secundário, entrei no Curso Geral de Artes Visuais na Soares dos Reis, optando por um curso “geral” porque não sabia ao certo que arte haveria de escolher. Quando chegou a altura de me inscrever nas universidades, a minha ficha de inscrição era muito peculiar. Tínhamos seis hipóteses de escolha e as minhas eram todas diferentes: arquitetura, design, moda, fotografia, escultura e design gráfico. Ao mesmo tempo, inscrevi-me para as audições em Teatro / Interpretação na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo e acabei por escolher teatro. Esta escolha revelou-se acertada, pois percebi que, dentro dessa área artística, poderia continuar a trabalhar com outras áreas artísticas. Após a licenciatura, iniciei o meu percurso profissional como assistente do João Paulo Seara Cardoso, o diretor artístico do Teatro de Marionetas do Porto. Tive uma experiência muito marcante. Um dia, quando estávamos a trabalhar numa opereta, o João Paulo apontou para a parede onde estava um anúncio para inscrições no Curso de Encenação de Ópera da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi um momento de revelação: ficou claro que o meu caminho era unir todas as artes numa única. 

JP: Como é que começou a sua carreira artística? 

Pedro: Ao longo da minha formação, comecei por participar em concursos nacionais de artes, tendo tido logo oportunidades incríveis. Fiz desfiles de design de moda, exposições de fotografia, pintura, escultura, e concertos com orquestras. Quando saí da universidade, comecei a encenar peças de teatro e musicais. A partir daí, entrei no ensino da Harpa e do Teatro. Foi um percurso tão natural e intenso que é difícil identificar qual foi exatamente o ponto de partida. 

JP: E quais foram os maiores desafios com que se deparou? 

Pedro: O maior desafio foi encontrar o que me define realmente como encenador e designer. Ao criar uma encenação, parto sempre da ideia-base de questionar: “Porquê esta obra, porquê agora, neste local e a quem se destina?” Não consigo dissociar-me do facto de que estou a criar para alguém. Interrogo-me sobre o que o público quer ver e o que é preciso transmitir-lhe no momento presente. Não gosto de presumir que o público é igual em todo o lado, porque não é. O segundo maior desafio tem sido perceber como posso contribuir, enquanto artista, para a evolução do meu país nas áreas do teatro, do teatro musical e da ópera, tanto a nível produtivo como de participação. 

JP: Como diretor artístico da Companhia de Teatro Os Quatro Ventos, vê o seu papel como uma forma de contribuir para a evolução do teatro em Portugal? 

Pedro: A Companhia de Teatro Os Quatro Ventos é um projeto de amor. Através dela, tive a oportunidade de experimentar e aprender. Há quase 20 anos que lutamos em Santo Tirso para apresentar projetos de qualidade a um público específico, numa cidade que não tem um auditório municipal desde a década de 50. Nós tentamos servir a comunidade, oferecendo-lhe obras artísticas que a desafiem sem a alienar, aproximando-a do teatro de dramaturgia portuguesa. Consideramos fundamental que o espetáculo seja percebido como a arte do bem-fazer, onde a interpretação é indissociável das outras áreas artísticas que partilham com ela o palco e os bastidores. Reflito sobre o impacto que as artes em Portugal poderiam ter na criação de emprego, se cada produção teatral conseguisse contratar profissionais para todas as áreas artísticas envolvidas. 

JP: Qual foi a sua primeira grande conquista ou reconhecimento no mundo artístico? 

Pedro: Não sei bem como responder a esta pergunta... Tenho tantas conquistas que acarinho, mas é impossível nomeá-las a todas. Mas reconheço que o público quando descobre o meu percurso normalmente aponta a minha entrada na Royal Opera House – Covent Garden como sendo um "reconhecimento" ou uma "grande conquista". E é verdade, mas os reconhecimentos que mais aprecio surgem de pequenos instantes que acontecem com o público, ou com as equipas com quem trabalho. 

JP: A entrada na Royal Opera House foi um momento decisivo na sua carreira? Conte-nos como tem sido essa experiência. 

Pedro: Sim. Foi graças ao programa Jette Paker Young Artists Programe (JPYAP), onde trabalhei com outros artistas portugueses como os sopranos Susana Gaspar e Luís Gomes, que a minha carreira como encenador de ópera foi reconhecida internacionalmente. Foi determinante, porque tive a oportunidade de ver e trabalhar com o que de melhor se faz a nível mundial. Após os dois anos de contrato do programa, fui convidado a voltar a encenar lá e comecei uma colaboração regular, que se estende até hoje, onde me chamam para repor obras no palco principal. Paralelamente, os alumni do programa têm formação gratuita e vitalícia em qualquer área relacionada com ópera, o que nos dá um sem fim de oportunidades de crescimento. Será sempre uma honra estar associado à Royal Opera House. 

JP: E sempre gostou de ópera? 

Pedro: Até ter terminado a universidade, nunca tinha visto uma ópera “a sério”, ou seja, uma ópera com todos os elementos necessários em palco. Embora já ouvisse óperas em disco e já tivesse tocado com orquestras, nunca tinha assistido a uma como espetador. Na cidade do Porto, onde cresci, nunca houve oferta de espetáculos de ópera que servissem como uma introdução a esse mundo para crianças ou jovens. A primeira vez que vi uma ópera, já com cerca de 20 anos, foi no Porto. Foi uma experiência incrível e um momento revelador. Lembro-me de pensar: "Como é possível, um tipo de espetáculo que reúne tantas formas de arte ser tão aborrecido!?" Foi precisamente nesse momento que decidi que queria trabalhar em ópera, desafiando-me a fazer melhor. 

JP: Há alguma performance, obra ou projeto do qual se sinta particularmente orgulhoso? 

Pedro: Todas. Admito que sou obsessivo em relação a todos os mais minuciosos pormenores – desde o esboço inicial até aos ensaios, passando pela parte técnica e pela construção, etc. Nunca deixo um projeto meu ser apresentado ao público sem ter a certeza de que estou orgulhoso do resultado. 

JP: Foi assistente de alguns dos mais importantes encenadores a nível mundial. Houve algum que o tivesse marcado particularmente? 

Pedro: Seria estranho dizer que um me marcou mais que outro, porque todos, cada um à sua maneira, me influenciaram positivamente. O Robert Carsen é aquele com quem me revejo ao nível dos detalhes; o Laurent Pelly ao nível da movimentação de grupo e criação de personagens cómicas; o Kasper Holten ao nível da sua dedicação ao conceito; a dupla Moshe e Leiser impressiona-me pela forma como se entregam à intenção da personagem; enquanto o John Copley e o Elijah Moshinsky possuem uma sabedoria inacreditável que abrange todas as áreas. E tantos outros que me deram tanto. Efetivamente, não houve ninguém que não me marcasse. A realidade é que quem chega a esta posição, numa forma de arte em risco e extremamente cara, tem de ser incrível. 

JP: Quais são as suas maiores influências artísticas? Em que é que se inspira? 

Pedro: A minha maior inspiração vem da minha família e amigos. É à minha história pessoal e às minhas vivências que recorro quando cruzo referências para criar uma nova encenação ou um novo design. 

JP: Como descreveria a sua filosofia ou abordagem única como encenador e designer? Existe algum princípio que guie sempre o seu trabalho? 

Pedro: Estarei a repetir-me, mas é, sem dúvida, o pensamento de “porquê esta obra, hoje e para quem”. 

JP: É coach de “acting through song” com os cantores do JPYAP. Como é que tem sido essa experiência? 

Pedro: Os participantes no JPYAP podem requisitar treino nas áreas que precisam de desenvolver mais, solicitando trabalhar com encenadores em material específico, que varia desde personagens a reportório de concerto. Para mim, é sempre fantástico analisar as obras ao nível da rede musical e, dentro delas, descobrir o storytelling que torna a comunicação cativante entre o performer e o público. Sinto um grande prazer também em encontrar formas de me conectar com o aluno e em perceber qual a direção que o serve melhor. 

JP: Tem experiência em docência. Gosta de ser professor? Qual é o melhor conselho a dar a um aluno que aspira a uma carreira como encenador e designer?  

Pedro: Gosto muito. Antes de ir para Londres eu lecionava regularmente em várias escolas. Agora, eu prefiro fazer ações de formação específicas pois estas não me obrigam a um contrato de permanência num único local. Posso dar tantos conselhos a jovens alunos, o que não é difícil, considerando que passam muitos pelas salas de ensaio. É importante ser ativo, ter prazer em estudar, participar e ser inquisitivo. Também é essencial ser profissional e manter um nível de exigência elevado para si mesmo e para os outros. Por fim, é muito importante ser honesto em todas as iniciativas em que participa, mantendo a honestidade tanto para consigo mesmo como com os outros. 

JP: Quais seus passatempos ou atividades de lazer? 

Pedro: Trabalhar e dormir. Felizmente, o meu trabalho inclui todas as atividades e hobbies que adoro, como ler, desenhar, pintar, coser, tingir, construir, conversar, analisar, visualizar, estudar, entre tantas outras coisas. Não consigo estar parado! Dormir é uma necessidade porque o corpo o exige, mas, no fundo, sinto que é um desperdício de tempo útil. Ah, e adoro estar em silêncio! Especialmente quando posso estar com as mãos na terra ou a olhar para a natureza, que, apesar da nossa presença, a cada segundo continua com o seu ciclo. 

JP: O que espera alcançar nos próximos anos? 

Pedro: A felicidade extrema de poder dizer que o meu país está repleto de produção cultural, que finalmente existem tabelas salariais e a precariedade no nosso setor for extinta. 

JP: Na sua opinião, o que é que falta em Portugal para se aproximar do nível de produção cultural de outros países, como por exemplo o Reino Unido? 

Pedro: O que não nos falta? Temos excelentes artistas e artesãos, além do material humano necessário. Contudo, de resto, falta-nos muito para atingirmos o nível de produção cultural do Reino Unido. Falta-nos o básico, como espaços de trabalho com condições mínimas, políticas culturais eficientes e uma educação voltada para as artes, além de financiamentos adequados e fiscalizados. Por isso, não é possível fazer uma comparação direta. Podemos buscar inspiração no Reino Unido, mas tentar comparar-nos diretamente só leva à frustração. 

JP: Que conselho daria a artistas emergentes que sonham em seguir uma carreira no teatro e na ópera?  

Pedro: Eu costumava dizer que, “se te sentes bem a fazer qualquer outra coisa na vida, não entres nas artes em Portugal”. Isto porque o caminho nas artes pode ser tão acidentado e até mesmo agressivo, que se destina apenas àqueles que não conseguem imaginar-se a viver de outra forma. Reconheço que várias profissões em áreas não artísticas poderiam afirmar o mesmo. No entanto, a ópera, que eu considero um animal raro em vias de extinção, exige uma resiliência de ferro daqueles que ousam sonhar com ela.

Fotografia de perfil de Pedro Ribeiro por Susana Neves

Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos

Quer saber mais? Veja abaixo uma das suas belas encenações: 


Poderá encontrar mais informações sobre Pedro Ribeiro em:

Website     Facebook