ProART Entrevista: a soprano Sandra Medeiros revela como tem sido sua trajetória pelo universo musical

Por Fernando Santos, em 07 de janeiro de 2024. 

Nos palcos da música erudita, existem vozes que conquistam plateias. Uma delas é a da soprano Sandra Medeiros, cujo timbre singular vem trilhando sólida carreira. Natural de Ponta Delgada, Açores, Sandra cultivou desde cedo o amor pela música, iniciando os seus estudos musicais no Conservatório Regional da sua terra natal.

A sua arte inspira plateias e rende elogios da crítica, que destaca os seus dotes vocais. Hoje, conversamos com esta cantora talentosa, que encontrou na música a sua verdadeira paixão.

“A soprano Sandra Medeiros destacou-se em Tibi omnes angeli e Aeterna fac ao evidenciar inteligência musical, correcção estilística e admirável agilidade vocal” in Público (Manuel Pedro Ferreira).

“Rendemo-nos aos prodigiosos dotes vocais da soprano Sandra Medeiros: voz muito expressiva, excelente afinação, agudos brilhantes, volume amplo, extensão notável, apalavra bem dita, a frase bem caracterizada.”  in Tribuna das Ilhas (jornal).

Sandra transita com desenvoltura entre o repertório barroco e contemporâneo. No decorrer da sua carreira artística ela tem vindo a colaborar, com as mais destacadas orquestras portuguesas, com os conceituados grupos Os Músicos do Tejo e Divino Sospiro, com as orquestras Barroca da RAM, Camerata Lysy de Gstaad, Conjunt d'Antiga de L'ESMUC, Sinfonia Varsóvia, Concerto Köln, L’Avventura London, entre outros. É um dos membros fundadores do Ensemble D. João V e do Ensemble Affetti d’Amore. 

A conexão com o público através do seu canto é algo que a motiva. Nas palavras dela:

"É extremamente reconfortante e recompensador quando me apercebo que a minha arte de cantar possa tocar a sensibilidade de quem me ouve, proporcionando momento de bem-estar e alegria. Porque a música é amor, é generosidade e é partilha.

Nesta entrevista, conduzida por Fernando Santos (FS), mergulharemos na trajetória desta cantora talentosa e apaixonada pela música.

FS: Olá Sandra, é um privilégio tê-la aqui para esta conversa. Antes de mais nada, gostava de saber como surgiu sua paixão pela música?

Sandra Medeiros: Olá. Fernando, obrigada pelo convite. Desde muito cedo, revelei ter um ouvido musical e apetência para o canto que surgiu de uma forma natural e espontânea ainda antes de pronunciar bem o discurso falado. O convívio com as artes, em geral, foi sempre uma constante na minha vida. Sou a mais velha de três irmãos que, curiosamente, também enveredaram pela carreira musical. Crescemos ao som das histórias cantadas, que ecoavam nos antigos discos de vinil, e envoltos no mundo das texturas da plasticina, do barro e das cores das aquarelas, dos lápis de cera ou dos guaches, para o qual minha mãe, amante das artes plásticas, teve a atenção de nos iniciar e despertar o gosto. Aos seis anos entrei para o Conservatório Regional de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores, de onde sou natural, para frequentar a classe de ballet do talentoso bailarino português Carlos Trincheiras. Aos sete anos iniciei os meus estudos musicais, integrando as classes de piano, formação musical e coro, às quais se juntaram mais tarde outras disciplinas, que a par dos meus estudos primário, preparatório e secundário, fui sempre continuando e desenvolvendo. O palco, que pisei pela primeira vez na tenra idade dos 5 anos, tornou-se um local habitual e as apresentações sucederam-se ora a solo ora junto com os meus irmãos a cantar e, ou a tocar, participando, entre outros eventos, em saraus musicais, festas privadas, eventos de beneficência e frequentemente em programas da rádio local (RTP-Acores). Em duo com minha irmã vencemos dois festivais da canção infantil, em trio com os meus irmãos participamos numa edição do Natal dos Hospitais transmitida pela RTP-A, para além de participar regularmente nas variadas actividades promovidas pelo Conservatório que abrangiam as várias vertentes da música, representação e dança. Fui sempre estando a par da musica que se fazia na região de forma que durante a minha adolescência integrei alguns agrupamentos musicais dando a voz a um variado repertório de géneros e estilos que abarcava desde a musica tradicional à musica original composta por excelentes músicos locais com os quais também, colaborei na realização de telediscos para a RTP-A e gravações de CDs Tendo em conta toda esta intensa vivência musical preenchida de momentos enriquecedores que me moldaram o ser, terminado o curso geral de canto no conservatório regional de Ponta Delgada não me foi tarefa difícil perceber qual a carreira profissional que gostaria de escolher e, como tal, decidi abraçar a música e o canto lírico em particular. Segui para o continente para continuar estudos na Escola Superior de Música de Lisboa e mais tarde, com o apoio das bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian e Centro Nacional de Cultura, prossegui estudos de pós graduação na prestigiada escola da Royal Academy of Music de Londres.   

FS: E quem foram suas influências em termos familiares e artísticos

Sandra Medeiros: Começo por salientar o importante e determinante papel que os meus pais tiveram na minha educação que percebendo-se das minhas apetências para as artes souberam encaminhar-me incentivar-me e apoiar-me em todas as minhas escolhas. No decorrer do meu percurso musical foram muitas as personalidades musicais nacionais e internacionais, como professores, pianistas, cantores, maestros, encenadores, etc., que com a partilha dos seus conhecimentos experiências e valores me influenciaram e inspiraram. Todas elas tiveram a sua importância em determinado momento da minha vida e sou muito grata por todos os conselhos e ensinamentos que delas recebi. 

FS: Quais considera que foram os maiores desafios durante sua trajetória como soprano?

Sandra Medeiros: Ter tido o privilégio a honra e a grande responsabilidade de estrear o papel de gémea siamesa na ópera O corvo branco de Philip Glass (com encenação de Robert Wilson), realizada no Teatro de Camões durante a Expo 98 e no Teatro Real de Madrid, bem como muitas outras obras, algumas das quais criadas para a minha voz, de compositores como Carlos Caires, Carlos Marecos, João Madureira, Sérgio Azevedo, Nuno Côrte-Real, Eurico Carrapatoso, Luís Cardoso, Fernando Lobo, Emanuel Frazão, Hugo Ribeiro, Rogério Medeiros, entre outros. Aceitar corajosamente o desafio de realizar repertório que não obstante estar fora da minha zona de conforto, que é o repertório do período Barroco e Clássico, concretizei com bastante sucesso. Refiro-me por exemplo, ao personagem Berenice na ópera L’occasione fa il ladro de Rossini com a Orquestra Municipal de Sintra – D. Fernando II e o maestro Pedro Carneiro, à Missa em Fá menor de Anton Bruckner com a Orquestra Gulbenkian e o maestro Philippe Herreweghe, e a quatro obras de Beethoven: - a Missa em DoM op.86 com a Sinfonia Varsóvia e o maestro Marc Minkowski, a Fantasia Coral em dó menor com a Orquestra Gulbenkian e o maestro Lawrence Foster, a 9 Sinfonia com a Orquestra Sinfónica Juvenil e o maestro Christopher Bochmann e a Missa solemnis op.123 com o Coro Sinfónico do Coral de São José, a Sinfonietta de Ponta Delgada e o maestro Luís Carreiro. 

FS: E as primeiras vitórias? Quando percebeu que era reconhecida no meio artístico?

Sandra Medeiros: No decorrer do meu percurso como cantora lírica foram vários os prémios conquistados a nível nacional e internacional que me motivaram e impulsionaram a minha carreira artística. Após terminar o Curso de Canto na Escola Superior de Música de Lisboa participei nos concursos Nacional de Canto Luísa Todi e de Interpretação do Estoril nos quais fui distinguida, respectivamente, com o Prémio “Armando Guerreiro”(prémio revelação) e uma Mensão Honrosa. Esse reconhecimento, no início da minha carrreira, valeu-me uma maior visibilidade, oferecendo-me a oportunidade de criar contactos no meio musical nacional e realizar concertos. Seguiram-se outros prémios em forma de bolsas de estudo nomeadamente a atribuição de uma bolsa da Fundação Isaac Albéniz para realizar estudos em Espanha com a renomada cantora lírica Teresa Berganza e a atribuição da bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para prosseguir estudos de pós-graduação em canto na prestigiada Royal Academy of Music de Londres (RAM). Durante os meus estudos em Inglaterra recebi, de entre outros prémios, o Amanda Von Lob Memorial Prize, atribuído pela RAM, como reconhecimento do meu exemplar desempenho enquanto aluna e que me ofereceu a oportunidade e privilégio de trabalhar com importantes personalidades musicais tais como os maestros Laurence Cumming e Sir Charles Mackerras. Fui finalista no Concurso de Interpretação do Wigmore Hall em Inglaterra, no Concorso Lirico Internazionale del Mediterraneo (na categoria de ópera) em Itália e no XVIIéme Concours International de Chant de Marmande (na categoria de Melodie) em França. No Brasil venci o 2º Prémio no V Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão que me ofereceu a oportunidade de realizar o papel de Frasquita na ópera Carmen de Bizet levada ao palco do Theatro da Paz, na cidade de Belém. Mais recentemente fui distinguida com o primeiro prémio nos concursos London Classical Music Competition e International Mozart Competition Vienna. Mas para além da valorização e estímulo que os prémios podem trazer há outra forma de retorno que me é muito reconfortante e recompensadora: o reconhecimento do público traduzido nos entusiastas aplausos ou nos sentidos elogios. 

FS: Há alguma performance ou projeto do qual se sinta particularmente orgulhosa?

Sandra Medeiros: Há um projecto, no qual participei, do qual me orgulho particularmente por divulgar e promover com sucesso o nosso património musical além fronteiras. Refiro-me ao trabalho discográfico “18century Portuguese Love songs” cujo repertório musical abrangido é constituído por um conjunto de peças musicais do sec. XVIII, onde se incluem as modinhas luso brasileiras e peças instrumentais dos compositores portugueses Pedro António Avondano, Carlos Seixas e António da Silva Leite. O projecto realizado em colaboração com o prestigiado agrupamento L’Avventura London residente em Londres e formado por excelentes músicos, foi editado pela mundialmente conhecida editora Hyperion levando-me, numa demanda de divulgação do projecto, a importantes salas e festivais de Portugal, Inglaterra e Alemanha tais como o Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, o Festival Internacional da Póvoa do Varzim, a rádio portuguesa RDP-Antena 2, a rádio BBC3, o Tudeley Festival, o York Early Music Festival, o Brighton Early Music Festival e à icónica sala Kölner Philharmonie num concerto de colaboração entre L’Avventura London e a renomada orquestra Concerto Köln. O CD recebeu excelentes críticas a nível nacional e internacional: 5 estrelas no jornal Público, na Revista Diapason e na revista Early Music Today, e pela altura do seu lançamento foi, também, CD da semana e escolha do editor Muito me orgulha e satisfaz saber que continua a passar nas rádios, a agradar públicos e a ser considerado um CD de referência. 

FS: E em sua rotina pessoal, o que gosta de fazer em seu tempo livre?

Sandra Medeiros: Faço da música a minha profissão e o meu hobby. Para além de cantar, tocar piano e compor gosto de ler, de ouvir música, de ver cinema e de cozinhar combinando sabores para criar novas receitas. Gosto de actividades relacionadas com trabalhos manuais como bricolage, costura, tricôt e relacionadas com as artes plásticas como a pintura e o desenho. Pratico regularmente actividade física como longas caminhadas e natação. 

FS: O que espera alcançar nos próximos anos?

Sandra Medeiros: Sempre tive um sério compromisso com a música, com o estudo do meu instrumento vocal e com a profissão que escolhi, tendo vindo a percorrer com empenho dedicação e sacrifício um longo caminho de aprendizagem numa busca incessante pela perfeição, mesmo sabendo-a inacessível, procurando melhorar-me como pessoa e como artista. Pretendo continuar esse processo de aprendizagem, aperfeiçoamento e superação procurando assimilar todo o conhecimento e experiência que estiver ao meu alcance. Pretendo continuar a investir nos meus projectos nomeadamente o de promover e divulgar repertório de câmara, compreendido entre os séculos XVII e XX, de compositores portugueses, em parceria com o pianista Francisco Sassetti e o de promover e divulgar repertório de compositores portugueses do Período Barroco com o Ensemble D.João V do qual sou um dos elementos fundadores. Espero que continuem a surgir oportunidades para abraçar também outros diferentes projectos nos quais possa partilhar a minha alegria entusiasmo e amor pela música e a arte de cantar.

FS: Há algo em especial que queira partilhar com o seu público ou uma mensagem que deseja transmitir?

Sandra Medeiros: A música e o canto são para mim uma necessidade, um prazer, uma alegria, uma libertadora forma de expressão e uma ponte de conexão com o Divino. É extremamente reconfortante e recompensador quando me apercebo que a minha arte de cantar, na qual coloco uma profunda entrega, paixão e amor, possa tocar a sensibilidade de quem me ouve, proporcionando, dessa forma, algum momento de bem estar, de alegria. Porque a música é amor é generosidade é partilha.

Quer saber mais? Veja e ouça abaixo algumas de suas belas apresentações: 

Próximo concerto: 

Da Clássica ao Jazz”, em 20 de Janeiro às 21h30 no Auditório Municipal Vendas Novas:

Poderá encontrar mais informações sobre Sandra Medeiros em:

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E nós, da ProART, agradecemos à Sandra Medeiros por nos conceder esta entrevista:


"Como fundador e diretor artístico da ProART, não poderia estar mais orgulhoso em apoiar uma artista que verdadeiramente incorpora nossa missão de celebrar o amor a música. Para nós é um privilégio poder contribuir apoiar aqueles que elevam a cultura e o espírito humano." (André Cunha Leal).